Myriam El Khomri, ministra do trabalho e autora das novas leis trabalhistas da França |
A imprensa do mundo vem acompanhando as manifestações na França em virtude das mudanças que o governo pretende fazer nas leis trabalhistas do país. De acordo com alguns especialistas, estas mudanças aumentam o poder das empresas e tornam as relações patrão empregado mais frágeis. Já outros, veem as novas regras como indispensáveis para tornar a França mais competitiva, economicamente falando.
E no meio de protestos que incluem bloqueio de estradas, paralisação de refinarias e usinas nucleares (deixando cidades sem combustível e com risco de apagão), muita gente ainda se pergunta: que mudanças são estas nas leis do trabalho da França? Quais os pontos mais polêmicos?
Nosso blog vai enumerar alguns pontos principais deste polêmico projeto de lei do governo François Hollande que, sem apoio do congresso e do senado, deve ser aprovado por decreto até julho deste ano (sim, na França o governo pode aprovar uma lei por decreto, o famoso decreto 49.3, que só pode ser usado 1 vez por ano pelo executivo):
1 - Tempo de trabalho
Na França, a lei diz que o tempo de trabalho legal é de 35 horas semanais, ou seja, 7 horas por dia. Pela nova lei, o tempo de trabalho legal continua sendo as 35 horas semanais. O que muda é a remuneração das horas extras. Pela lei atual, se você faz de 1 a 10 horas extras por mês, deve ser remunerado 25% a mais por hora trabalhada. A partir da 10ª hora, 50% a mais por hora trabalhada. Se a nova lei for aprovada, cada empresa pode negociar diretamente com os trabalhadores quanto vai pagar por hora extra, sem intervenção dos sindicatos. A negociação será diretamente empresa-trabalhador. Os contrários a lei temem que o teto máximo oferecido pelas empresas seja de 10% (autorizado pela nova lei) e que os trabalhadores sejam "intimidados" a aceitar este teto, já que os sindicatos terão menos poder de controle e intervenção nas negociações. Tal manobra é arriscada porque pode baixar consideravelmente o salário de algumas categorias, como os caminhoneiros, trabalhadores de indústrias, hospitais, funcionários públicos, etc. Alguns destes profissionais fazem muitas horas extras e correm o risco de ter o salário reduzido consideravelmente. Um caminhoneiro, por exemplo, que trabalha 200 horas mensais, corre o risco de perder, em média, 1.300 euros de salário por ano.
2 - Duração máxima das horas extras
Atualmente a lei do trabalho francesa permite que uma pessoa trabalhe, no máximo, 10 horas por dia (máximo 44 horas por semana). Este tempo máximo de horas extras é fruto de uma negociação entre sindicatos e empresas. Se a nova lei passar, o tempo máximo de trabalho diário poderá ser de até 12 horas (sendo 46 horas semanais no máximo) e a negociação será feita entre empregados e empresa, também sem intervenção dos sindicatos.
3 - Jovens
Hoje na França, um jovem aprendiz pode trabalhar, no máximo, 7 horas por dia, totalizando 35 horas semanais. Com a nova lei, os jovens poderão trabalhar até 40 horas por semana. Em casos excepcionais, alguns jovens poderão trabalhar até 10 horas por dia, sem que um fiscal e médico do trabalho examine a necessidade destas horas extras, como a lei determina atualmente.
4 - Afastamento por problemas na família
Hoje, a lei do trabalho na França prevê que um funcionário com mais de 2 anos na empresa pode se afastar por até 3 meses em caso de doença grave ou invalidez de um próximo (cônjuge, filho). Pela nova lei, este tempo será definido também em acordo entre empresas e funcionários.
5 - Período sabático
Pela lei francesa, um funcionário pode se afastar por até 11 meses (sem salário), caso precise de um tempo longe da empresa. Pela nova lei, será um acordo entre empresa e funcionários que definirá este tempo sabático.
6 - Demissões
Pela atual lei do trabalho, quando uma empresa vende uma parte ou toda sua estrutura, a empresa que compra deve conservar todos os funcionários com contrato CDI (contrato de duração indeterminada). Pela nova lei, haverá a possibilidade de conservar apenas alguns funcionários e demitir outros. Outro ponto polêmico é que a nova lei permitirá demissões de funcionários de empresas que não estejam globalmente em dificuldades econômicas. Exemplo: uma montadora na França vende poucos carros e está tendo perdas, mas no resto do mundo ou numa outra cidade da França ela vai bem. Pela lei atual, demissões seriam mais difíceis num caso como este. Pela nova lei, as demissões devem ser mais fáceis, pois as empresas devem apenas justificar uma baixa no lucro para efetivar as demissões. Os favoráveis a nova lei do trabalho dizem que esta flexibilização da legislação deve tornar as empresas francesas mais competitivas no cenário mundial. Já os contrários, afirmam que as injustiças sociais e o desemprego devem aumentar na França.
7 - Menos indenização por demissões abusivas
Hoje na França, se um juiz concluir que uma demissão foi abusiva, o trabalhador tem direito a uma indenização estipulada pelo juiz, sem teto legal mínimo ou máximo. A nova lei muda tudo, desfavorecendo o trabalhador. Pela nova lei, o cidadão que tiver trabalhado menos de dois anos na empresa, receberá no máximo 3 salários de indenização. Para quem tem entre 2 e 5 anos na empresa, 6 meses de salário como indenização. Para os que tem mais de 20 anos na empresa, a indenização por demissão não poderá passar de 15 meses de salário. Para especialistas, este teto é uma desvantagem para o trabalhador e possibilita as empresas demitir com mais facilidade, já que não haverá mais temor do empresariado com relação aos valores das indenizações.
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Por enquanto, a lei ainda não foi aprovada e o governo está sendo bastante criticado por querer passá-la por decreto. Até a aprovação, especialistas acreditam que alguns pontos da lei devem ser reavaliados pelo governo, outros mantidos. Hoje, a maior parte dos franceses (67% de acordo com sondagem BFMTV) é contra as mudanças nas leis trabalhistas do país. Mas a radicalização de alguns sindicatos, com greves, bloqueios nas refinarias, paralisação de transporte público, etc, vem causando uma mudança gradativa na opinião pública.
O fato é que, projetos como este, na minha opinião, devem ser debatidos com mais profundidade, e não é isto que estamos vendo. O jornal Le Figaro publicou hoje que menos de 20% dos franceses conhecem a fundo a nova lei do trabalho. Além disso, passar uma lei tão importante como esta por decreto, numa democracia como a França, pega super, mais super mal.
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